TIRADENTES, CELA E
ESQUECIMENTO
Sérgio Pinto Monteiro*
A convite do Capitão-de-Fragata (FN)
Robson Clair da Silva, imediato do Grupamento de Fuzileiros Navais do Rio de
Janeiro, visitamos a cela onde Tiradentes ficou confinado , situada dentro das
instalações do atual Hospital Central da Marinha, na Ilha das Cobras, no Rio de
Janeiro, até ser transferido para a Cadeia Pública da cidade, conhecida como
Cadeia Velha, demolida em 1922 (próximo
do atual prédio da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), de onde Tiradentes
partiu para ser executado, por enforcamento, na praça que hoje leva o seu nome,
na época Campo da Lampadosa.
A Marinha do Brasil tem sob a sua guarda
um dos mais importantes sítios históricos brasileiros. Foi emocionante adentrar
aquela masmorra, escura, fria e úmida, sabendo que há mais de dois séculos o
nosso herói maior ali padeceu pela liberdade do Brasil. Respiramos por alguns
minutos o ar malcheiroso proveniente da umidade que emanava das paredes de
pedra. Chegamos às lágrimas, face ao clima e à emoção que pairam no ar.
Manhã de sábado, 21 de abril de 1792. Às
onze horas e vinte minutos, depois de penosa caminhada, sob um sol rigoroso,
pelas principais ruas do centro do Rio de Janeiro, o Alferes José Joaquim da
Silva Xavier, subiu, sem medo, o patíbulo erguido no Campo da Lampadosa, atual
Praça Tiradentes, onde bradou: “Cumpri a minha palavra, morro pela liberdade!”
Como demorasse a morrer, o carrasco, um criminoso comum, montou-lhe nos ombros
para abreviar o seu fim. Segundo a sentença, Tiradentes, único executado entre
os Inconfidentes, seria enforcado, decapitado e esquartejado. Com o seu sangue,
lavrou-se uma certidão de que fora cumprida a pena. Sua cabeça apodreceu dentro
de uma gaiola em Vila Rica. Os quatro quartos, conservados em salmoura, foram
colocados em postes, ao longo do Caminho Novo, na Capitania de Minas Gerais,
onde o Alferes fazia as “infames prédicas” pela liberdade de nossa pátria. Seus
bens foram confiscados, as casas em que morara, arrasadas e salgadas, para que
nunca mais, naquele chão, algo germinasse.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746
na Fazenda do Pombal, localizada entre a Vila de São José, hoje a cidade de
Tiradentes e São João Del Rei. Era filho do português Domingos da Silva Santos
e da brasileira Maria Antonia da Encarnação Xavier. Quarto filho entre sete
irmãos, perdeu a mãe aos nove anos e o pai aos onze. Sua família, com muitas
dívidas, ficou sem a pequena propriedade
onde vivia. Joaquim, menor de idade, acabou sob a tutela de um padrinho,
cirurgião, residente na cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto. Trabalhou como
mascate e minerador. Foi sócio de uma botica de assistência à pobreza na Ponte
do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às atividades farmacêuticas e ao
exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu o apelido de Tiradentes. Na
carreira militar tinha o posto de Alferes, correspondente hoje ao de segundo
tenente e serviu no Regimento de Cavalaria Paga (os Dragões) da Capitania das
Minas Gerais. Solteiro, teve uma filha com uma viúva de nome Joaquina.
Considerado líder da Inconfidência Mineira, Tiradentes foi preso na Rua dos
Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, no Rio de Janeiro, quando divulgava os ideais
revolucionários de tornar o Brasil uma nação independente.
Neste dia 21 de abril de 2014, o sacrifício do Alferes José Joaquim da
Silva Xavier - Tiradentes - completa 222 anos. Pela Lei nº 4.897, de 9 de
dezembro de 1965, foi ele proclamado “Patrono Cívico da Nação Brasileira”.
No passado, a data era comemorada em todos os níveis do poder público e
objeto de amplo noticiário da imprensa. Nos dias atuais, um sinistro e
lamentável silêncio se abate sobre a saga do mártir da independência e o sonho
de liberdade dos Inconfidentes. Há um claro propósito de um punhado de maus
brasileiros de ignorar ou, até mesmo, reescrever, ao arrepio da verdade, alguns
dos mais importantes episódios do país. Tradicionais heróis nacionais estão
sendo “substituídos” por personagens de nenhuma ou duvidosa relevância em nossa
história, inclusive estrangeiros. A imagem do assassino argentino, travestido
de cubano, “Che”Guevara, campeia, livremente, em salas de aula e muros de
escolas públicas. A mídia brasileira, com poucas exceções, submetida a
interesses econômicos ilegítimos, apoia - ou se omite - diante da ação
deletéria de indivíduos que, a cada momento, vilipendiam o sacrifício de
Tiradentes e de tantos outros heróis que deram suas vidas à pátria.
Assistimos, inconformados, ao esbanjamento de recursos públicos pela
famigerada Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça. Até hoje foram pagos, ou concedidos, mais de
4 bilhões de reais em indenizações milionárias e pensões de valores elevadíssimos.
Somente dois jornalistas do antigo tabloide “O Pasquim” foram beneficiados com
pagamentos retroativos de mais de R$ 1 milhão cada um e elevadas
“aposentadorias” mensais. Já a senhora Lúcia de Oliveira Menezes, de 68 anos,
tetraneta de Tiradentes, recebe do governo brasileiro, concedida pela Lei
Federal nº 9.255, de 3 de janeiro de 1996, a inacreditável pensão de duzentos e
setenta reais mensais.
Nesta data, recordamos e reverenciamos o sacrifício do Alferes
Tiradentes, que, em última análise, retrata os ideais de liberdade e soberania
de nosso povo, gente simples, humilde e trabalhadora, que repudia qualquer
tentativa de condução do país por caminhos que não se coadunem com os
princípios democráticos e cristãos que forjaram a nação brasileira.
“Libertas quae será tamen”
"Liberdade ainda que tardia"
*o autor é Professor, Oficial da
Reserva Não Remunerada do Exército e detentor da Medalha do Mérito Militar. É
presidente do Conselho Nacional de Oficiais R/2 do Brasil, membro da Academia
de História Militar Terrestre do Brasil, da Academia Brasileira de Defesa, da
diretoria da Associação Nacional dos Veteranos da FEB e do Instituto
Campo-Grandense de Cultura. É autor do livro “O Resgate do Tenente Apollo” (Ed.
CNOR, 2006)
A ADESG Europa celebrou na igreja
da Lapa (onde está o coração de D. Pedro I do Brasil) uma missa em evocação do
Patrono Cívico da Nação Brasileira Joaquim José da Silva Xavier e a que dedica
um artigo neste blog - ver página artigo de opinião
*************** ********************
CRIMINALIDADE TRANSNACIONAL
José Belmiro Alves
Mestre em Relações
Internacionais com o Mundo Árabe e Islâmico.
O impacto do crescente
poder dos cartéis de droga na segurança dos Estados
Os Estados Unidos da América
consideram que os cartéis de droga são atualmente uma das principais ameaças à
sua segurança interna, talvez até superior ao terrorismo de origem islâmica,
dado que a morte de Bin Laden veio trazer uma falsa ideia de paz, pois novas
formas de atuação terrorista estão a emergir. É o caso da ação individual, há
pouco exemplificada em França, na região de Toulouse.
Mas são os cartéis de droga que
neste momento “decidem” quais os próximos passos que os Estados dão como
resposta política à segurança interna dos seus cidadãos. E embora se veja da
parte dos Estados Unidos uma preocupação crescente em relação a este assunto, a
Europa continua a sua política de liberdades e garantias constitucionais, em
detrimento de uma eficaz decisão processual penal face a uma realidade macabra
que se orienta por meandros de um submundo que cada vez mais é regra e não
exceção nas sociedades ditas civilizadas.
O laxismo europeu é tal que “às
suas portas” existe um dos maiores corredores planetários de entrada de droga
que é o narco¬estado guineense, palco de inúmeros problemas políticos devido às
lutas internas pelo controlo do tráfico de estupefacientes. A instabilidade é
promovida pelos traficantes colombianos e mexicanos, a quem se juntam
interesses de grupos terroristas como o Hezbollah e a Aquim que, para além de
outras atividades ilícitas, transporta drogas através da região do Sahel.
Mesmo com um tamanho perigo a
desenvolver¬se de dia para dia, a União Europeia não tem sido capaz de
desenvolver uma ação mais enérgica que envolva uma cooperação policial entre os
diversos estados, deixando assim esses países à mercê do dos cartéis, que
possuem uma capacidade de movimentos transnacional, como observou Isabel Ebo:
(…) utilizam as drogas como instrumento de política externa com vista a
alcançar a supremacia mundial. (Ebo, 2008: 5).
Esses movimentos possibilitam aos
cartéis mexicanos e colombianos injetar, transportando¬a de um continente para
outro, à escala planetária, toneladas de drogas, como se de uma qualquer
multinacional se tratasse no mundo dos negócios, de acordo com Isabel Ebo:
(…) a droga é hoje um flagelo mundial que
carece de uma resposta certa e urgente. (Ebo, 2008: 5)
Os milhões de narcodólares
produzidos pelos cartéis compram políticas e seus autores, bem como outros
decisores¬chave em vários setores dos Estados, designadamente ao nível da
segurança interna e no plano militar e dos serviços de inteligência, o que
deixa a dúvida quanto à conivência dos Estados com esses negócios:
(…)
o sistema financeiro internacional transaciona todos os dias milhões de
narcodólares, que engorda as contas bancárias dos agentes envolvidos: máfias,
cartéis, bancos, etc. (Ebo, 2008: 5)
É sabido que não vivemos num
mundo perfeito mas também não podemos usar essa imperfeição como desculpa para
não fazermos nada quanto ao crescente poder dos tentáculos desse enorme polvo
que são os cartéis. E já está mais que visto que as poucas políticas traçadas
pelos Estados pouco ou nenhum efeito estão a ter no combate ao crime
organizado.
A própria justiça dos Estados não
funciona, designadamente em Portugal, onde a ação processual penal tem sido
ineficaz, em nada cooperando com o árduo trabalho dos agentes judiciários
envolvidos, o que cria no imaginário coletivo a ideia de falhanço da justiça e
de impunidade.
Os Estados Unidos vivem em
sobressalto permanente devido às constantes guerras entre os cartéis na
fronteira com o México, o que constitui um dos pontos de preocupação para a sua
segurança nacional. É que o tráfico de drogas poderá implicar uma ligação ao
terrorismo e à subversão, para além das ligações ao crime organizado, que
possibilitam, segundo Isabel Ebo:
(…)
Os préstimos ligados ao financiamento da corrupção e da subversão de estados
(…) elevam esta questão para o nível dos problemas que diretamente interferem
com a segurança (…) (Ebo, 2008: 11)
Os cartéis poderão ser
considerados “multinacionais” dada a sua capacidade logística, as relações com
outros países, como a Guiné¬Bissau ou Moçambique, estados politicamente fracos,
com poucos recursos para investir no combate ao crime e que são esfrangalhados
e dizimados pelo poderio económico dos barões do tráfico.
E o maior problema é que com a globalização
a droga, tal como o terrorismo e o crime organizado, transnacionalizou¬se,
deixando de ser um problema dos Estados Unidos, ou do México, ou da Colômbia e
passando a ser uma questiúncula para o Afeganistão, para a Guiné¬Bissau, para
Moçambique, entre outros países. De acordo com Isabel Ebo:
(…)
na segunda metade do século XX, a droga deixou de ser um problema local dos
Estados e passou a fazer parte do mundo global (…) (Ebo, 2008: 13)
O crime da droga, generalizou a
violência, o crime do branqueamento de capitais e corrupção, a presença de
movimentos mafiosos em todos os países desenvolvidos. (Ebo, 2008: 14)
A segurança dos estados é posta
em causa, uma vez que o crime organizado se configurou às tipologias de mercado
que surgiram com a globalização, sendo o continente africano o palco
geoestratégico predileto de forças criminosas com poderes de atuação
planetários que rasgam fronteiras, invadem países, instalando¬se e contornando
as suas leis, desrespeitando as suas instituições – democráticas, ou não – e
lançando o caos, como tem sido visível na Guiné¬Bissau e no México, países
afetados pela violência e pela corrupção.
No século XXI regista¬se um
unipolarismo, não entre nações como no século anterior, mas entre forças
criminosas e estados sem capacidade para as combater eficazmente. uma vez que o
comércio de drogas lhes fornece lucros fabulosos gastos em estruturas e
infraestruturas, no incentivo de gangs armados que fazem das cidades ocidentais
arenas onde se batalha pelo controlo das atividades ilícitas. As cidades são
agora divididas em territórios, como se de uma Conquista de Ceuta se tratasse,
ou de Alcácer¬Quibir, onde as forças policiais são o D. Sebastião que nunca
mais regressa. O mesmo é dizer que o poder heterotutelar do Estado não é ali
reconhecido, prevalecendo a anomia. Segundo Gargi Bhattacharyya:
The map of
the drug trade reveals the failures and danger zones of a unipolar world order
(…) new forms of war and the disruptive influence that failing states can have
on the wider international order (…) The transnational drug trade (…) itself
may desestabilise the world. (Bhattacharyya, 2005: 92)
A segurança interna dos estados
encontra¬se perigosamente ameaçada pelas raízes do mal que a passo e passo se
infiltram, gerando criminalidade e violência, o que coloca em causa a segurança
pública. Só não vê quem não quer, como os políticos portugueses.
Criminalidade
Transnacional
Se no século XX foi a
Guerra¬Fria, e seus efeitos colaterais, que dominou grande parte das decisões
políticas dos estados, no século XXI serão fenómenos, embriões da Guerra¬Fria,
como a criminalidade transnacional que ocuparão, ou pelo menos deveriam ocupar,
dado o seu enormíssimo grau de perigosidade, as ações da comunidade
internacional. Estamos a lidar com um fenómeno cujos ingredientes são o não
respeito por fronteiras, uma espécie de Estado virtual, com efeitos
devastadores nas sociedades, dado possuir uma estrutura organizativa que se
move em rede, com ramificações profundas nas camadas subterrâneas dos estados
que corroem os princípios mais basilares das nações internacionais. Segundo
José Mota(1):
A criminalidade de
hoje não tem fronteiras. Esta é a grande questão e o grande desafio que se põe
ao Estado. Nenhum Estado sozinho, nenhum Procurador sozinho, nenhuma polícia
sozinha está em condições de investigar o que for. A dispersão da ação
criminosa (no tempo e no lugar) ultrapassando, muitas vezes, as fronteiras
exige como resposta a cooperação judiciária entre os Estados. (Mota, 2006)
Esta rede de ramificações
subterrâneas foi reforçada pela globalização que, através da interdependência
económica baseada na livre circulação de capitais, pessoas e bens, quase sem
controlo, veio espalhar as suas raízes, tal como uma trepadeira, pelos vários
setores da administração dos estados, numa incessante procura de novas
oportunidades de negócio, de preferência em estados cujas legislações sejam
mais “favoráveis”. E dentro desta ideia de grande permeabilidade dos sistemas
jurídicos dos estados cresce de forma assustadora a criminalidade organizada
transnacional:
(…) banks around the
world Exchange over two trillion transfers and other instructions annually (…)3
Assim como os estados firmam
acordos de cooperação internacional em matérias comerciais, entre outras,
também as organizações criminosas acordam entre si em assuntos como o tráfico
de estupefacientes, uma vez que, por exemplo, os grandes produtores de cannabis
são Marrocos, Afeganistão e Paquistão, enquanto a cocaína é produzida na
Colômbia, Bolívia e Peru. Ora isto envolve várias organizações criminosas com
origem em diversos cenários geográficos, o que requer a existência de acordos,
a fim de transportar a droga de um ponto para o outro do globo:
(…) tal es el caso de las redes dedicadas al tráfico de drogas,
diseñadas a modo y manera de las grandes multinacionales mercantiles.3
Já se percebeu que as
organizações criminosas buscam conceitos inovadores alternativos no que tange
ao transporte dos seus produtos, sejam ou não estupefacientes, do continente
africano para a Europa ou da América do Sul para um qualquer país africano.
Aliás, os países africanos são neste momento grandes pontos de apoio e
transbordo de estupefacientes, como o provam Cabo Verde, Guiné¬Bissau, Costa do
Marfim, Gana, Nigéria e África do Sul. A UNODC refere que:
(…) West Africa has come to play a
significant role as a point of transshipment for cargoes of heroin and cocaine
that are produced in South Asia and South America respectively, and that are
destined for markets in Europe and North America (…)4
É consabido que o tráfico de
pessoas é outra das variantes dos negócios lucrativos do crime organizado
transnacional, nomeadamente o aproveitamento que fazem da grave crise
financeira mundial que tem atirado para as redes internacionais de prostituição
muitas mulheres que de um momento para o outro se veem obrigadas a aceitar o
dinheiro “fácil” que esta atividade proporciona. Outra das vertentes é o
tráfico de crianças para as redes de pedofilia. Ou seja, aproveitar o que a
crise traz de mau para uns como potencial lucrativo para outros.
Em Portugal o Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é quem na linha da frente combate o flagelo do
tráfico de seres humanos através do programa europeu Frontex, mas a fraca
legislação nacional, a par das restrições orçamentais e de recursos humanos,
tem dificultado o raio de ação deste serviço de segurança.
Os fluxos migratórios são
incentivados, em paralelo com causas naturais como as más condições de vida,
por organizações criminosas que vão buscar os potenciais clientes a países como
o Senegal, Mali, Guiné¬Conakri, Serra Leoa, Libéria, Gana e Nigéria. Estas
organizações espalham o terror entre as populações miseráveis e ávidas de
melhores condições de vida proporcionadas pelo “el dorado” ocidental. Na
opinião de José Choclán:
(…) los flujos migratorios mayoritarios
actuales en Espana proceden del Magreb, no presentando las actuales redes de
inmigración la estrctura necessária para su caracterización como preocupante
delincuencia organizada (…)5
(…) human trafficking takes many different
forms. It is dynamic and adaptable and, like many other forms of criminal
activity, it is constantly changing in order to defeat efforts by law
enforcement to prevent it (…)6
Concomitantemente aos vários
negócios levados a cabo pelas organizações criminais, poderemos ainda referir o
tráfico de veículos automóveis, o tráfico de substâncias nucleares, o
branqueamento de capitais, como foi o caso recente da ablução de dinheiro
levada a cabo pelos cartéis mexicanos na praça financeira de Londres. Também o
Irão não deixou os seus créditos por mãos alheias no que tange à lavagem de
dinheiro. O que prova que há a ascendência forte de uma elite criminosa que
afaga com a sua mão invisível vários sistemas políticos à escala planetária. Como opina Paul Allan:
(…) it is the
process by which proceeds from a criminal activity are disguised to conceal
their illicit origins (…)7
A poderosa elite criminosa
branqueia a nível mundial uma média de 600 biliões de dólares, sendo alguns dos
seus atores mais lucrativos os cartéis mexicanos e colombianos, com um montante
que ronda os 8,3 biliões e os 24 biliões de dólares. Thierry Cretin disse:
(…) La
transnationalité s´estencore renforcée avec l`impéreuse necessite de blanchir
les considérables capitaux générés chaque année par le commerce des stupéfiants
(…)8
A violência dos números lavados é
provada pelos esquemas engenhosos em que muitos bancos se veem envolvidos, como
por exemplo, em 2005, o Bank of New York, em parceria com a Máfia Russa.
Falamos de dinheiro que apanha o avião em Moscovo, faz escala em Nova Iorque e
termina a viagem no Dubai, sem que os seus atores tenham que deslocar o comando
de operações. O simples “clic” de uma “rato” de computador é suficiente.
A pressão exercida pelos milhares
de pobres às portas da Europa, o hediondo projeto nuclear iraniano que ninguém
consegue travar, a falsa “Primavera Árabe” em quem todos querem acreditar,
entre outros possíveis acontecimentos, poderão servir de alimento ao crime
organizado transnacional. A prova são as parcerias firmadas entre os cartéis de
droga mexicanos e a máfia italiana, localizados em pontos geográficos distintos
mas que a globalização aproximou. E não podemos esquecer que financiar projetos
nucleares de grande envergadura como o iraniano exige um esforço financeiro que
poderá ser obtido através do tráfico de droga, de que
o Irão não é isento de
envolvência, pois se os cartéis de droga mexicanos lavam dinheiro na City, em
Londres, onde o Irão também lava dinheiro e adquire armas, é possível suspeitar
de parcerias de interesse dos dois lados.
O 11 de Setembro poderá ter despertado
o Mundo para um novo paradigma quanto a assuntos como o terrorismo, embora
muitos dos erros se continuem a cometer no que tange à estratégia a utilizar
quanto ao seu combate, mas também abriu o resto que faltava das portas para um
Novo Mundo onde os gigantes do crime organizado transnacional cedo perceberam
as fraquezas evidenciadas pelos estados ocidentais na tentativa de contenção
dos seus avanços.
Desde a queda do Muro de Berlim
(1989) que o Mundo sofreu uma reconfiguração quanto às políticas sobre
segurança e defesa mas, mais uma vez repito, pouco se aprendeu, uma vez que
novas realidades vieram ocupar os espaços e agarrar as oportunidades surgidas
do desaparecimento dos blocos soviético e americano. O que nos leva a poder
dizer, com alguma certeza, que, neste século, continua a existir dois blocos,
de um lado o mundo ocidental e, do outro, as grandes organizações
transnacionais do crime organizado, como os cartéis de droga mexicanos e suas
parcerias com grupos locais e regionais nos países onde os seus interesses se
expandem a uma velocidade 4G.
O suporte tecnológico
possibilitado pelo desenvolvimento da informática criou no homem o sentimento
de que hoje não há distâncias significativas quanto ao seu semelhante que se
poderá encontrar em qualquer ponto geográfico diferente. Também esse sentimento
de proximidade é partilhado pelos grandes fenómenos de massas humanas de
condutas criminógenas. Comunicar é para a sala ao lado pois é a essa distância
que se encontram factos sociais de dimensão global como o tráfico de droga, o
tráfico de armas, o tráfico de mulheres, de crianças, de órgãos, de substâncias
perigosas e a lavagem de milhões de dólares provenientes dessas múltiplas
atividades. Isso propicia a queda do mundo num contexto de pânico e de
insegurança perante a ameaça crescente de redes transnacionais de criminalidade
organizada em que – e aqui reside um dos maiores desafios do século XXI para os
países ocidentais, e não só – é cada vez mais evidente a sua atuação em comum
com o terrorismo internacional. E este, sim, é o maior perigo que enfrentarão
os estados ocidentais no decorrer deste século e para o qual pouco se tem feito
a não ser ver lavar o dinheiro dos proventos do crime organizado. E não estamos
a falar de uma qualquer estrutura organizacional criminosa e sim de verdadeiras
multinacionais do crime, com uma logística muito superior à capacidade de inúmeros
estados dotados de milhões de dólares que possibilitam corromper pessoas em
setores¬chave, adquirir material informático e de telecomunicações, material de
transporte como submarinos, compra de empresas de fachada capazes de moldar à
organização económica, social, cultural e política de qualquer Estado. Como
exemplo poderemos falar do caso do México, em que o crime organizado não é um
problema só dos mexicanos mas de todos nós. Conviria por isso que o Ocidente,
em particular a Europa, visto que os Estados Unidos já o fazem, considerasse os
cartéis de droga mexicanos um problema para a segurança “nacional” da União
Europeia. Jean¬François Boyer considera:
(…) Os cartéis de droga já não hesitam em enfrentar filas de veículos
do exército ou da marinha nas regiões que na prática governam (…)
(…) A violência dos confrontos demonstra que o crime organizado passou
a dispor de armamento pesado – capaz de derrotar blindados e metralhadoras – e
de sistemas de comunicação ultramodernos que lhe permitem informar¬se sobre os
movimentos do adversário (…)
Ninguém pense que o México fica
distante e que os problemas que ali se observam são exclusivos de lá, pois é um
raciocínio completamente errado, uma vez que o Mundo é global e os problemas de
um país, por maior que seja a distância, são os problemas de todos nós. Aliás,
os distúrbios ocorridos em França (2005 e 2012) e em Inglaterra (2011) são
muito ilustrativos de um possível cenário mexicano no Ocidente. Um dos
problemas em atacar o Irão é uma das possíveis consequências ser uma vaga de
atentados nas principais capitais europeias.
A dita “Primavera Árabe” e a
criminalidade transnacional não andam assim tão distantes e os rastilhos que
derrubaram ditadores também derrubam democracias.
Notas:
1 José Luís Lopes da Mota,
Procurador-Geral Adjunto, Vice-Presidente da Agência Europeia de Reforço da Cooperação
Judiciária (Eurojust) entre 2002 e 2007.
2 Naím, Moisés, Illicit – How smugglers,
traffickers, and copycats are hijacking the global economy, New York, First
Anchor Books, 2006, pag. 142/143.
3 Caparrós, Eduardo Fabian, El
Delito de Blanqueo de Capitales, Madrid, Colex, 1998, pag. 39-40.
4 Estudo citado da UNODC –
Transnational Organized Crime in the West Africa Region, pag. 13.
5 Montalvo, José António Choclán,
in La Organizacion Criminal – Tratamiento penal y procesal, Dykinson, 2000,
pag. 06.
6 UNODC – Tookit to combat
trafficking in persons, disponível para consulta em
http://www.unodc.org/pdf/Trafficking toolkit Oct06.pdf (consulta/acesso em
10.07.2012). 8 Schott, Paul
Allan, Reference Guide to Anty¬money laundering and combating the financing of
Terrorism, Washington DC, World Bank, 2006, pag. 288. 9 Cretin, Thierry,
Mafias du Monde, 2.ª edição, Paris, PUF, 1998, pag. 157.
Bibliografia
Obras de Referência
NAÍM, Moisés, Illicit – How smugglers,
traffickers, and copycats are hijacking the global economy, New York, First
Anchor Books, 2006, pag. 142/143.
FABIAN CAPARRÓS, Eduardo, El
Delito de Blanqueo de Capitales, Madrid, Colex, 1998, pag. 39¬40. CHOCLÁN
MONTALVO, José António, in La Organizacion Criminal – Tratamiento penal y
procesal, Dykinson, 2000, pag. 06.
SCHOTT, Paul Allan, Reference Guide to
Anty¬money laundering and combating the financing of Terrorism, Washington DC,
World Bank, 2006, pag. 288.
CRETIN, Thierry, Mafias du Monde,
2.ª edição, Paris, PUF, 1998, pag. 157.
DAVIN, João, A Criminalidade
Organizada Transnacional, A Cooperação Judiciária e Policial na EU, 2.ª Edição
Revista e Aumentada, 2007, pag. 26
Artigos e Revistas Especializadas
Le Monde Diplomatique, Edição
Portuguesa, Guerra contra a droga, México recua perante os cartéis, Julho de
2012, pag. 38.
Maia, António João, Revista
Segurança e Defesa, Globalização, Segurança, Defesa e Corrupção – Revisão de
Conceitos no Quadro das Novas Ameaças Difusas, Julho – Outubro de 2012, pag.
72.
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